A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) validou a capacidade técnica da empresa K-Infra no leilão da Rota da Celulose, mesmo com o grupo em processo de caducidade e desrespeitando o contrato de concessão da BR-393.
Este documento contribuiu para que a empresa, em consórcio com a Galápagos Participações, vencesse o certame, por ser uma exigência, ao oferecer 9% de desconto na tarifa a ser cobrada.
Esta caducidade, declarada pelo Ministério dos Transportes no dia 2, fez com que a Comissão Especial do Leilão da Rota da Celulose interrompesse, no dia 11, os prazos do certame, para realizar “diligências para a correta instrução do processo licitatório [...] até o cumprimento das medidas necessárias”.
A concessão envolve serviços públicos de recuperação, operação, manutenção, conservação, implantação de melhorias e ampliação de capacidade do sistema rodoviário, em trechos das rodovias estaduais MS-040, MS-338 e MS-395 e trechos das rodovias federais BR-262 e BR-267.
Só que a comissão especial já havia acatado, em reunião no dia 28 de maio, os documentos obrigatórios apresentados pela K-Infra, considerando, entre eles, um atestado assinado por Rafael Vitale Rodrigues, diretor-geral em exercício da ANTT.
Na ata de julgamento é afirmado: “Os membros da CEL [Comissão Especial de Leilão] analisaram os documentos de habilitação apresentados pelo Consórcio K&G Rota da Celulose e constataram sua conformidade com o exigido no Anexo III do Edital da Concorrência Pública nº 001/2024, declarando habilitada a licitante, conforme relatório de análise em anexo”.
No atestado de capacidade técnica da ANTT , uma das exigências, a K-Infra e a Galápagos Participações – que formaram o consórcio K&G Rota da Celulose, usaram a concessão da BR-393, a Rodovia do Aço, que a empresa já administrava, como exemplo.
Ela afirmou em documentos que realiza a “exploração da infraestrutura e prestação de serviços públicos e obras, abrangendo a gestão e execução dos serviços de recuperação, manutenção, monitoração, conservação, operação, ampliação, melhorias e exploração, conforme apresentado no Programa de Exploração da Rodovia – PER, mediante pedágio, do lote rodoviário constituído pelo trecho citado no item 1 abaixo, nos termos do contrato de concessão celebrado em 26/3/2008 e com término de vigência previsto para 27/3/2033, no valor (data-base julho/2007) de R$ 2.022.436.970,89”, citando que gerencia 200,4 km da rodovia.
Esses documentos atenderam a 19 exigências, conforme relatório de análise dos documentos divulgado pelo Escritório de Parcerias Estratégicas (EPE), que coordenou o leilão.
Mesmo já ciente dos desrespeitos ao contrato, que resultaram em multas que totalizam R$ 1,5 bilhão, a ANTT validou a capacidade técnica porque o “atestado apontado na solicitação pede apenas que comprove que a licitante tenha experiência em administrar rodovia. Como de conhecimento, a K-Infra administrou concessão rodoviária federal”, de acordo com a assessoria de imprensa da agência.
Ressaltando que “o edital citado, da Rota da Celulose, foi publicado anteriormente à declaração de caducidade da concessão federal da K-Infra”.
Porém, antes do leilão da Rota da Celulose, a ANTT já havia declarado a caducidade da concessão por descumprimento do contrato. Só que a K-Infra continuou com a exploração do trecho rodoviário por causa de uma liminar, que acabou caindo com a decisão do governo federal de encerrar o contrato.
Mesmo com a caducidade, a K-Infra afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “a própria ANTT emitiu atestado técnico reconhecendo a adequada prestação de serviços”.
Além de deixar de cumprir o contrato, a K-Infra recebeu 763 multas, que totalizam R$ 1,527 bilhão.
A concessionária alega que “o trecho sob nossa responsabilidade é amplo (do km 101,9 ao km 286,4), o estado da rodovia não é mensurável por somente algumas fotos [que constam em um dos processos de fiscalização realizado pela ANTT]”.
“Como é de conhecimento público e técnico, o estado do pavimento é dinâmico, afetado por chuvas, passagens de veículos pesados, etc. Um trecho isolado no tempo configura uma situação factual, que normalmente é gerida pela concessionária em tempo adequado”, continuou a nota.
Em outro atestado do leilão da Rota da Celulose que causa dúvidas, a K-Infra alega não ter irregularidade fiscal com a União. O edital cobra: “Prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional, por meio da apresentação da Certidão Negativa de Débitos Relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União”.
A comissão especial considerou válida a certidão, entretanto, em documento de um processo na ANTT, que analisa a “solicitação de providências urgentes relativas à caducidade do contrato de concessão firmado com a concessionária K-Infra Rodovia do Aço S. A., declarada por meio do Decreto nº 12.479, de 2 de junho de 2025”, aponta que a concessionária tem R$ 638,2 milhões inscritos em dívida ativa da União, referentes a multas aplicadas pela autarquia. A assessoria da K-Infra não respondeu a esta questão.
A assessoria de imprensa do EPE afirmou que “toda documentação protocolada pelas empresas participantes está em análise pelo Escritório de Parcerias Estratégicas. A comissão de licitação da Concorrência nº 001/2024 vai analisar o processo licitatório por meio de diligências complementares, os prazos estão temporariamente suspensos. Novas informações serão divulgadas após o cumprimento de todo o processo administrativo”.
CONSULTORES EXTERNOS
Em maio, a Maciel Consultores S. S. e a Geovia Engenharia apresentaram um plano de trabalho para consultoria independente da Rodovia do Aço, segundo a ANTT.
A intenção, entre outros pontos, é a realização do cálculo dos valores de indenização devidos à concessionária, relativos aos investimentos vinculados a bens reversíveis não depreciados ou amortizados.
Só que nesse plano de trabalho foi apontado que o Tribunal de Contas da União (TCU), em suas fiscalizações, “constatou um histórico de resultados negativos” na execução do contrato e “índices de inexecução anualmente aferidos pela ANTT” que se acumulavam desde o início da concessão.
A principal consequência desses inadimplementos foi a não entrega de obras cruciais de ampliação de capacidade e melhorias físicas e operacionais previstas no contrato.
Também cita que a agência, “na qualidade de poder concedente e órgão fiscalizador direto do contrato”, também identificou e registrou “diversos descumprimentos de obrigações contratuais”, que resultaram em sanções.
Clodoaldo Silva, de Brasília - www.correiodoestado.com.br